segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

VII.

pela manhã. meio horizonte fechado. 
uma persiana. deitada sobre a janela.
meio horizonte. 
                     aberto. à espreita. 
o cinzento. derramado sobre a minha língua.

dormente. 
lamento. mas. 

fui distante e acabei. aqui. 
(maldito. comboio. cansado)
sou aquele passageiro. com a cabeça encostada à janela. 
de aspecto confuso. a olhar a névoa. do caminho.

mãos. nos bolsos. 
                        cheiro as flores. 
carvão. diluído.   na pele
vou. distante. e simplesmente. apago-me.
nem sabia o que era o escuro. 
                                         até viver.

caído. ou deitado.
para além. do medo que fiz. 
tenho. no peito. esquecido.
para além. do medo. que fiz.
tenho. no peito. a tua parte.


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

VI.

sabes. meu amor. 
eu tenho todas as vozes do silêncio. 
nas minhas mãos fechadas. 
quando dormes. 
sou. um estranho. dentro do meu coração.
fecho as portas. recolho as cortinas. embacio as vidraças.
a escuridão. deste meu. tempo contigo. recolhe-se.
e tu. meu amor. dormes. nesta solidão. 
absoluta. e triste.
e o meu coração. feito casa. 
estremece. cinzento. 
sabes. meu amor. que não saberia o que fazer sem ti.
aqui. 
já nem flores. apanho. 
já nem terra. rego. 
já nem árvores. subo. 
já nem as minhas mãos. fecho. 
já nem silêncio. ouço. dentro de mim.
a rugir.
malditos. 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

V.

quero dizer-te.
que o amor. partiu.
a.
memória. a desgraça. alheia.
da sua partida. não sei. bem contá-la.
só sei. dizer.
que o amor. partiu.
e tu.
não sabes. de nada.

quero ainda. dizer-te.
que tenho as mãos geladas.
nos bolsos. onde te guardo.
e.
que. o mar. cresce sossegado.
dentro da minha camisola. descosida.
e o peito. fica assim. tão perto. do mar.
e o mar.
que eu queria. só para ti.
já nem. meu é.

que. nada se saiba.
enquanto. eu permanecer. vivo.
aqui.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

IV.

vou. para um lugar comum. 
estranho. e doente. 
parte. do que fica. 
o sossego. 
raro. esse. momento. em que nada cresce. 
em que nada. é.
nem amor. nem. lamento.
apenas. vou. e se souber. de ti.
já não volto.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

II.

começo por dizer. que não sei quem sou. hoje. confesso. que me cansei de ser. todas as minhas partes. as mãos. geladas. os pés dormentes. e embrulhados num acidente. onde não vi. o caminho. o meu estômago. queimado pelo ácido. de tantas tardes em silêncio. os meus olhos. deitados sobre as estrelas. já cegos. já negros. todos eles. negros. as minhas pernas partidas. e o meu coração. que perdeu as palavras. que perdeu. a vontade de comer. sangue. 

inspiro. 
sou um inverno. mal vestido. de cinzento. nem chuva sinto. nem chuva. cuspo. sou. a parte do mar. que não chega a tocar a terra. sou a terra. às vezes. quando respiro. sem fôlego. a meio. digo. que não me apetece fazer mais nada que me faça viver. ileso. podia. ser um pássaro. ausente no céu. podia. ser a folha caída do plátano. no chão. podia. ser o chão. áspero. sobre a pele da folha. mas não sou. nem o chão. nem a folha. nem o vento. podia. ser a seiva. que fez a folha. que bebeu água da chuva do chão. e se soltou. do ramo. sim. eu podia. ser só. e apenas. esse gesto. a folha a soltar-se do ramo. 
deito-me. na sombra de tudo o que é teu. dentro da minha árvore. de ramos. a soltarem folhas. para o chão. 
e já não ouço a tua voz. 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

I.

se eu fosse uma árvore. já não teria mais folhas. os meus ramos secos. seriam. apenas. o vento a desfiar camisolas de lã. e as minhas raízes. ensopadas na terra. braços dormentes.