terça-feira, 26 de julho de 2016

XXXIX.

quero escrever sobre como é passar. todo o tempo. da minha vida. ao teu lado. mordo os dedos. mordo a carne. segura da falange. a pele absorve a saliva. eu cresço. de dentro. para fora. de mim. até ti. e deixo. que as minhas mãos te segurem. 

somos assim. duas pedras. paradas no fundo de um rio. eu e tu. a ver o mundo a desfiar-se. tu. moves-te. és mais leve. mais bonita. menos verdadeira. para com a tua condição. estática. de pedra. e eu. mais pesado. mais lento. para não dizer. mais feio. e desonesto. para com todo o meu desejo. de mover. para junto de ti. e na passada do rio. tu vais. e eu fico. 

e à noite. quando tu e eu. permanecíamos juntos. sobre todo aquele peso de água. tu. eras. a pedra. que mais brilhava. e eu. confundia-me. com o cascalho. e nesse lugar. tudo o que te disse. não se fez. 

quero. escrever. sobre esse tempo. e não consigo. deixei secar a saliva sobre a falange. e a pele secou. 

domingo, 24 de julho de 2016

XXXVIII.

sabes que às vezes. ouço uma voz que me diz. quero morrer.

e na escuridão que tudo o que fiz. me trouxe. digo. tenho noites. por fazer. tenho dias. por viver.  




quarta-feira, 20 de julho de 2016

XXXVII.

em todas as palavras escritas. o teu nome. em todas as palavras. por dizer. todo o silêncio que cabe dentro. de uma mão. fechada. noutra mão. 

aqui. e agora. quero que saibas. que só. tu. leste. naquele segredo guardado nos meus olhos. como pretendo. partir. naquele dia. que será. o ultimo. das nossas vidas. arruinadas. por tanto. do que fui. 

tu. sabes que sou. a tempestade e o cão. malvado. que se perdeu no caminho de casa. o coração. aberto e a escutar. o tempo. a tua ultima memória. que se vendeu. rasgada. e eternamente inconsolável. a terra. e tudo o que odiaste. em vida. 



segunda-feira, 18 de julho de 2016

XXXVI.

já ninguém lê poemas de amor. não. já ninguém escreve. sobre esse vazio deixado ao tempo. não. porque. não haja amor. para escrever. mas porque o amor denso que a imortalidade. vergou. e fez morrer no coração. dos que ainda vivem à espera. já se fechou. por dentro. eu. sou. uma pedra atirada. sobre este céu. uma palavra por dizer. e tu. dizes. amo-te. e tudo. o que havia por escrever. eu. cerro as mãos. e todo o ar. que nelas reservei. para me fazer viver. se foi. à dureza da pele. ao molde. que lhe fiz. temer. tudo o que ficou por dizer. não. já ninguém lê. poemas de amor. 

sexta-feira, 15 de julho de 2016

XXXV.

todo. o amor. dentro deste mundo. não cabe. dentro. de mim. o espaço exíguo. que o meu peito. deformado. tomou. para si. deixou-me. apenas. lugar. para assentar as memórias. nem ar. respiro. nem calor. sinto. sou. um baloiço vazio. a baloiçar. no ar. naquele movimento. lento. em que todo o impulso. que o corpo. faz. se despenha. ausente. na terra. 

todo. o amor. é uma inutilidade. sem corpo. todo o corpo. é. um mero instrumento. de fuga. sem amor. e nessa conversa seca. entre o que é o amor. e o corpo. eu. 

desisto.



terça-feira, 5 de julho de 2016

XXXIV.

ao mar. imenso. sou. todo o teu coração. a bater. até que as marés se acabem. e tudo se desmanche. sobre esta cortina negra. com que fiz. a morada para te escrever. ao mar. imenso. não sou nada. nem a penumbra da tua presença. nem o chão. castigado à morte. lenta. das pedras. ao mar. imenso. e tanto. de ti. sem lugar. para onde ir. nem. tempo. nem. terra. ao mar. imenso. sem fim. que a saudade. seja. toda a água que bebas. e não te canses. do meu exíguo corpo. e da escassez. de mim.