sexta-feira, 31 de outubro de 2014

II.

começo por dizer. que não sei quem sou. hoje. confesso. que me cansei de ser. todas as minhas partes. as mãos. geladas. os pés dormentes. e embrulhados num acidente. onde não vi. o caminho. o meu estômago. queimado pelo ácido. de tantas tardes em silêncio. os meus olhos. deitados sobre as estrelas. já cegos. já negros. todos eles. negros. as minhas pernas partidas. e o meu coração. que perdeu as palavras. que perdeu. a vontade de comer. sangue. 

inspiro. 
sou um inverno. mal vestido. de cinzento. nem chuva sinto. nem chuva. cuspo. sou. a parte do mar. que não chega a tocar a terra. sou a terra. às vezes. quando respiro. sem fôlego. a meio. digo. que não me apetece fazer mais nada que me faça viver. ileso. podia. ser um pássaro. ausente no céu. podia. ser a folha caída do plátano. no chão. podia. ser o chão. áspero. sobre a pele da folha. mas não sou. nem o chão. nem a folha. nem o vento. podia. ser a seiva. que fez a folha. que bebeu água da chuva do chão. e se soltou. do ramo. sim. eu podia. ser só. e apenas. esse gesto. a folha a soltar-se do ramo. 
deito-me. na sombra de tudo o que é teu. dentro da minha árvore. de ramos. a soltarem folhas. para o chão. 
e já não ouço a tua voz. 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

I.

se eu fosse uma árvore. já não teria mais folhas. os meus ramos secos. seriam. apenas. o vento a desfiar camisolas de lã. e as minhas raízes. ensopadas na terra. braços dormentes.