quinta-feira, 31 de março de 2016

XVII.


o que hoje fiz. dois pontos. 

sonhei. que deixava crescer as mãos pelo teu cabelo. acordei tarde. olhei-me ao espelho. manhã. enrolada na janela. segurei-te as mãos. não viste. passei por ti. no corredor apagado. que miséria de luz. naquele momento. lembrei-me que ainda hoje. olhei o céu. no carro. onde o meu corpo. se deslocava. e se desfez sobre o azul da madrugada. pintado no asfalto. demorei-me. a beber café. li. o jornal. apenas as letras grandes. escrevi. três palavras. e desenhei. dois olhos grandes e assustados. numa folha de papel. perdida na minha secretária. que hoje. não vos vou mostrar. segurei-te. pelos arames. quando quase te desmanchaste. mas tu. dizes. que não é preciso. eu sei. à tarde. certamente. irei sentar-me a ver o rio. e tu. sabes. 

o que hoje. não fiz. dois pontos.

olhar o relógio. aparar a barba. cheirar-te o perfume que deixas. quando por mim, passas no corredor. apagado. falar. nem me ouço a falar. nem te ouço a falar. imaginar. que chove. e que tu me agarras a mão. quando volto as costas. nunca aconteceu. para além da imagem cinematográfica. de dentro de mim. a tela a preto. e branco. a desenrolar-se. sacudir as mangas do casaco. procurar nos bolsos. bilhetes. com frases soltas. e esperar por ti. 


terça-feira, 29 de março de 2016

XVI.

mudo. transparente. a queimar estrelas durante o sossego da noite. atrasado. e nunca adiantado. o pouco. de mim. já ruiu. sou o dedo sobre a folha. de papel. a ler. o relevo. de cada palavra. que esmago. e sei. que nunca voltarei. ao lugar. onde tudo começou. 

se me quiseres. não estarei. aqui. não sou de lugar algum. nem de nada. nem de ninguém. nem de mim. sou. 

vou atrás. das folhas das árvores. quando o vento murcha. as flores. que tento não pisar. e tenho o estranho hábito. de abraçar as pessoas. quando dormem. para depois. fechar todas as janelas. e abalar. escondido.

este céu. triste. tem todas as cores. da invisibilidade. que permanece. danada. 






sexta-feira, 18 de março de 2016

XV.

estás só.


ouves as folhas das árvores a cair. chove pouco. a chuva miúda. molha parvos. os carros passam na estrada. com os pneus colados. ao alcatrão. ouve-se aquele grito mudo. do asfalto e do pneu. a rasgar-lhe a carne. as luzes. rumam. para longe. da escuridão. esfregas as mãos. frias. uma na outra. dobras-lhes os dedos. a pele pede. mais. mão. a mão recusa. todas as mãos. do mundo. não chegavam para tanta negação de ti mesmo. estás só. e não há outra forma de estares sob este telhado de estrelas. e vai-se o frio. há um estranho a passear. nos cantos. deste mundo. e não és tu. nem ele. não é ninguém. 




sexta-feira, 4 de março de 2016

XIV

eras tu. e mais ninguém. 

nem vento. nem onda a correr pelo mar. nem tempo. a escolher. os dias. ou por qualquer rasgo de solidão. sem luz. por dentro. todo o silêncio registado em todas as ruas. desertas - há no mundo. palavras por dizer - dizes. a terra que dá lugar ao rio. e o rio. que se some. por detrás do horizonte. e a ponte. a encolher-se também. e os telhados vincam. o céu. e o céu. dorme em silêncio. sem pássaros. ou aviões a queimar a candura do fim do dia. e vem a noite. e em todos os muros que escoltam. o coração. até não haver. mais moradas. não há mais nada. depois. de ti.