quinta-feira, 18 de maio de 2017

XLVIII.

em todos os lugares onde estive. vi mãos se juntarem. e vozes fundidas num só lamento. e por vezes. numa só palavra. a romper. a luz. lembro-me. algumas vezes. ter abraçado os meus bolsos com os dedos. e apertado o vazio. até à sua asfixia. sim, eu já vi o vazio. morrer. e nesse tempo. todo eu. era um homem. só. a escrever nas paredes dos prédios. coisas sobre ti. que tu.

nunca leste. 

deve haver. neste intervalo. que se fecha todas as noites. uma vida por viver. que talvez. não seja a de quem sufocou todos os medos. com as mãos fechadas nos bolsos. ou mesmo. daquele. que em todos os lugares onde esteve. nunca viveu. em lado. algum.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

XLVII

todas as manhãs. quando acordo. tenho as mãos fechadas debaixo do peito. costumo dormir de barriga para baixo. corpo na cama vincado. as coxas contidas contra o colchão. os pés. enrolados um no outro. meia almofada abraçada. a outra meia. parte. para a esconder o rosto. outra almofada inteira. para abraçar a cabeça. corpo meio tapado até aos rins. 

naquele silêncio. emprestado aos pássaros nas árvores e aos carros. colados à estrada. e à luz. turva. que atravessa o quarto. até ao meu corpo. abandonado. a mim. consigo sentir. todo o peso do ar. contido. abro as mãos. e tento desfazer os nós. de um rasgo de vida. daquela manhã. 

.é outro dia. digo. 
é o mesmo. dia. de sempre. penso. 

abro. lentamente. os olhos. que já me viam de dentro para fora. e escolho. levantar-me. daquela frieza toda. 

quinta-feira, 16 de março de 2017

XXLVI

.que a solidão não te coma nenhum pedaço de tempo. nem tão pouco. a boca se cale. e nada diga. ao coração. quente. e cansado. que todas as noites. tenham a claridade própria. do amor. ou que toda a escuridão. seja passageira em tuas mãos. 

.eu sou. a lentidão dos movimentos. passados. a escrever sobre ti. a espessura fina do papel. o peso da mão. na candura dormente. e solene. da folha. a tinta. escura. 

.que nada. seja meu. só a vida. e as roupas que visto. do resto. só tenho um coração penhorado. um corpo gasto. e tu. na lembrança. sem glória. 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

XXLV.

.ontem anoiteci. junto ao mar. naquele tempo onde os olhos se fechavam ao mínimo de escuridão. eu. fiz-me inteiro. em todas as partes. que de ti sobraram. e não fui para além. do que me deixaste ser. 

.um relance. sombrio e desapegado. do horizonte. um beijo aberto. no silêncio. trazido pela candura da manhã. e algumas palavras. por dizer. escritas. sem lugar. comum. ou público. apenas em segredo. dentro das paredes do coração. 

eu. tentarei ser breve. disse. enquanto. tudo se montava diante. de mim - as mãos. que se fecham. uma na outra até ao fim dos dias. a lotaria. das coisas pequenas. trazidas dentro dos abraços e a solidão. do desconhecimento. profundo de tudo. isto.


.em todas as partes. deste cenário. deitado sobre o mar. acabado de se trazer. absoluto. até mim. eu fiz-me inteiramente. sombra e defeito. promessa e quebra. 


.de fé.