domingo, 17 de abril de 2016

XXII.

aqui. onde estou. já não se respira. estão todos à minha espera. mas não sei quem são. não consigo ouvi-los. a falar. e a escrever nas folhas de papel. que deixei desarrumadas. em cima secretária. com vista para a rua. 


não consigo acordar. deixo-me. ficar. a olhar o branco. do tecto. conto. as nódoas. que a minha vista turva. antecipou. antes que as sombras. tentem queimar. toda. aquela candura. sobre mim. 

vivo. assim. na doce memória. do que poderia ter sido. e nunca fui. 
sim. talvez, tenha sido essa pessoa alguma vez. nestes dias todos que a minha vida ocupou. talvez. algum dia. fui. assim. quem quis ser. digo. talvez.
mas não me convenço.

é retórica. para fazer encher os pulmões de água. sou eu. a enganar o passado. parece que já os ouço melhor. falam alto. riem. conversam. mas não se percebe o que dizem. não se deixam ver. estão ocupados por detrás daquele pano negro da noite. eu sei. que esse pano. também, se estende. entre o que penso. e o que vejo. mais mácula. ou pedaço de nada. sou eu. a tentar invadir. todo o território que não me pertence. se eu souber. quem é o dono desta terra. onde as árvores. moram. vou à sua procura. até ao fim do sol. 


mas. talvez. não tenha tempo. a verdade dos dias. escasseia. e o sangue. que corre por dentro de mim. até ao chão. que carrego. é absolutamente. insuficiente. e se houver. deus. ele saberá. o que fazer com todos os meus planos. para invadir. aquele território imenso. que é a minha solidão.


nela. se escreve. a fórmula. química. da felicidade. inútil. 


e ao fundo. enquanto. aguardo. só. já os vejo. 

vou abraçá-los. são os meus amigos. 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

XXI.

abotoei o casaco. os dedos. em cada botão. faziam. o movimento lento até me fecharem. o peito. o vento gelado. tentava abrir uma ferida no meu rosto. no mesmo lugar. onde os teus lábios. se demoraram. e eu. não quis saber. se era dor. ou silêncio. interrompido. de saudade.  

era. tudo.

e quando. tentei escutar se ainda respirava. não ouvi nada. 
e quando. tentei sentir se as minhas mãos. ainda se abriam. e fechavam. não consegui agarrar. nada.

era. tudo.

sol. imenso. a cair doente. a tua ausência. cada vez. maior. cada vez. a ocupar menos. os dedos mordidos. os botões. que caíram. o peito. aberto. e não vi fim. à vista. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

XX.

céu cinzento. céu carregado. e negro. céu a desabar. céu. a encolher-se. para dentro. da terra. na nudez. daquele acto. as raízes. das árvores. ensopadas. as folhas. enroladas no chão. a terra. castanha. o cheiro. a manhã. de chuva. tu. dentro de mim. o tempo que não se apaga. o frio. dentro das minhas mãos. o tempo que não se apaga. o frio. que agrava o esforço da respiração. o mesmo. frio. que agrava o esforço do coração. o tempo. de uma vida. em esforço. até ao desgaste. de tudo. nem frio. nem vida. 

segunda-feira, 11 de abril de 2016

XIX

meu. coração. teu. 
o infinito. 

meu. coração. teu.
sem nome. já se foi. ao tempo. que não se conseguiu compor.

meu. coração. teu.
sempre. 

meu. coração. teu.
a escuridão. e a relatividade. de segurar nas mãos. toda a vida. que não se vive. e todo o caminho que. não. se. faz. e tudo. o que não se termina.

alongo o corpo. pelo horizonte. destilo. tristeza sobre cada passo. que dou. sou a memória. o abandono. o desapego. e a circunstância. que nenhum. olhar. obedece. nem mesmo. o teu amor. fez de mim. um homem, mais profundo. escrevo pela rama. como apenas. a pele das coisas. e ouço o ruído. estridente. da chuva. nem sombra sou. nem vazio. longe. e maldito.

meu. coração. teu.
inacabado.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

XVIII

um cão a morder-me as pernas. um coração gelado. um peito que resiste. as pernas que não se movem. um cão. que não desiste. e todas as palavras que não digo. e as vozes. que ouço. não se demoram. e hoje. a noite. não acaba. e tudo tem um fim. pergunto. afirmo. e desminto. o nada. é que tem sempre um fim. digo. entre os dentes. e olho. o céu. teimoso e escuro.


as despedidas. enrolam-se na língua. e a boca. que seca. e a boca. que mente. 


desisto. o coração não aquece. e o nada. que tem sempre um fim. repito. e sento-me. em frente a ti. horizonte. e não me demoro. 



terça-feira, 5 de abril de 2016

XVII.

demorei-me mais. do que habitual. a ver o mar. a adormecer. foi naquele dia. onde tudo desapareceu. tombando-se para dentro da terra. como um barco desabitado. 

a espera. matou-me. e naquele espaço entre as coisas. que trazia no bolso. dei por mim. a vaguear pela cidade moribunda e doente. a noite encaixava perfeitamente sobre o chão. molhado de uma chuva caída em qualquer. momento. louco. e os meus pés. fundiram-se no negro. da estrada. 

reparei. que não me movia. que o cheiro do teu corpo nas minhas mãos. já não me oferecia. o tempo da vida. e que o mar. que tantas vezes me salvou. de ti. cresceu. e abalou para outro lugar qualquer. que eu já não conseguia habitar. 

é triste. que não sofra de lentidão. a fazer luto às coisas. que antes obedeceram à minha vontade de amar. e que não saiba ver. o que tantas vezes tu. viste. 

e que não saiba. dizer. o que tantas vezes. me disseste. do que se tira. e se subtrai ao fogo imenso da nossa alma. que até mesmo a nossa capacidade de amar. se extingue. consequentemente. até ao vazio e à terra.